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Decisões: Sentença que nega a decretação de prisão preventiva

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

Umberto Guaspari Sudbrack

Vistos 1. Decisão anterior deste Juízo determinou fosse a exordial acusatória emendada, a fim de que mencionados e indicados elementos concretos, relativamente a cada um dos agentes cuja custódia preventiva se pretendia, capazes de justificar e evidenciar ao Juízo o cabimento da medida, sobrevindo a douta manifestação ministerial de fls. que, neste ato, recebo, como aditamento à inicial. 2. Naquela decisão, procurei demonstrar que uma prisão preventiva, face a seu caráter cautelar, processual, excepcional e grave 3/4 pois não amparada em título executivo 3/4 exige o rigoroso atendimento a requisitos específicos e concretos. Destaquei a necessidade de proceder-se à subsunção de fatos concretos às molduras legais do art. 312 do CPP. Salientei que, no caso dos autos, o pedido de preventiva, estando plurifundamentado em todas as hipóteses ali previstas 3/4 garantia da instrução criminal, ordem pública, econômica e para salvaguarda da aplicação da lei penal 3/4 não exibia, da forma como apresentado, elementos concretos que justificassem, relativamente a cada um dos réus, a providência pedida. Mencionei, na seqüência, que nada impedia a perfectibilização de todas essas hipóteses no caso concreto, ressalvando, porém, que era ônus do requerente indicá-las concretamente, vale dizer, por sua base empírica, mesmo que sucinta e objetivamente, indicando, ainda, os respectivos elementos probatórios. Desta forma, mencionei na parte final daquela decisão: “Assim sendo, determino seja o pedido de preventiva emendado pelo Ministério Público, para o efeito de serem, concreta e especificamente, ainda que de maneira objetiva e sucinta, detalhadas as razões concretas que levam à necessidade de decretar-se a segregação cautelar das pessoas indicadas na exordial, relativamente a cada uma delas, com a indicação de elementos de prova em que se apóiam, voltando, após, com urgência, para reapreciação do pedido” 3. Visando a atender tal determinação, o aditamento relacionou os réus cuja prisão preventiva é requerida. Como fundamento legal, argumentou que, no caso concreto, a prisão preventiva serviria para “garantir a ordem pública”, bem como para evitar “atentados contra a prova”, não mais sendo mencionada a prisão para garantia da aplicação da lei penal ou da ordem econômica, como, anteriormente, postulado. Restou assim ser analisado se, efetivamente, há demonstração inequívoca e concreta das duas hipóteses invocadas. 4. Antes de proceder a tal exame, urge, contudo, bem fixar em que consiste, juridicamente, cada uma das hipóteses invocadas (garantia da ordem pública e da instrução criminal). No que se refere à garantia da ordem pública, é certo que em hipóteses excepcionalíssimas, o clamor público pode ser levado em consideração. No entanto, isso não há de ser tomado como regra, como o STF tem acentuado reiteradamente. Nesse sentido, predomina a idéia de que o Poder Judiciário deve-se apresentar na sociedade com o equilíbrio, a prudência e a proporcionalidade de suas decisões, pena de deslegitimar-se. A figura do juiz, doutrinariamente, aproxima-se ao que os processualistas designam por terceiro imparcial, dele exigindo uma atuação técnica, obediente aos valores insertos na Constituição Federal e às leis da República. A propósito, ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO (Presunção de inocência e prisão cautelar, Saraiva, 1991, p. 69), referindo-se aos casos em que efetivamente haja clamor público, assinala: “Parece evidente que, nessas situações, a prisão não é um instrumento a serviço do instrumento, mas uma antecipação da punição ditada por razões de ordem substancial, e que pressupõe o reconhecimento da culpabilidade. O apelo à exemplaridade, como critério de decretação da custódia preventiva, constitui seguramente a mais patente violação do princípio da presunção de inocência, porquanto parte justamente da admissão inicial da culpabilidade, e termina por atribuir ao processo uma função meramente formal de legitimação de uma decisão tomada a priori. Esta incompatibilidade se revela ainda mais grave, quando se tem em conta a referência à função de pronta reação do delito como forma de aplicar o alarme social: aqui se parte de um dado emotivo, instável e sujeito a manipulações, para impor à consciência do juiz, uma medida muito próxima da idéia de justiça sumária...............................” Por isso, mesmo quando haja clamor público 3/4 e não há evidências objetivas disso no caso concreto – o requerimento da medida, fundada na garantia da ordem pública, há de ser avaliado com sensibilidade e cuidado. Como salienta MIRABETE (Processo penal, Atlas, 2001, p. 386), amparado em jurisprudência do STF, “não basta à decretação da custódia provisória a simples repercussão do fato, sem outras conseqüências”. Pelo contrário, deve o requerente da prisão preventiva fundada na ordem pública não se restringir à invocação da própria hipótese delituosa: fosse assim, ter-se-ia, quase, prisão preventiva automática, em todos os delitos que causassem ou repercussão pública, ou fossem, intrinsecamente, graves. No entanto, assim não pode dar-se: é preciso que, além da gravidade do crime, outros elementos, avaliados no caso concreto, se façam presentes e demonstrados, como, além dos julgados referidos na decisão anterior, assim pronunciou-se o STF: “(...) Prisão preventiva: fundamentação inidônea. Não bastam a justificar a prisão preventiva nem o cuidar-se de acusação de crime qualificado de hediondo, nem a invocação do clamor público, nem a alusão à conveniência da instrução, quando não indicada a sua base empírica” (HC 80064-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão). No que se refere à garantia da instrução criminal, avulta, naturalmente, o assegurar-se a prova. Em casos tais, deverá o interessado demonstrar e comprovar, inequivocamente, em que medida, no caso concreto, a liberdade do acusado poderá impedir, adulterar ou inviabilizar a prova, a ser realizada naquela instrução criminal, para os fins daquele processo, não de outros. São os casos, por exemplo, de ameaças a testemunhas do caso, intimidação de terceiros que podem esclarecer a verdade, destruição de documentos que serão utilizados no processo, tudo comprovado, ainda que de modo perfunctório. Dentre todas, é a hipótese que mais guarda nexo de instrumentalidade com o processo, como assinala ANTÔNIO ALBERTO MACHADO (Prisão preventiva, Ed. Acadêmica, São Paulo, 1993, p. 61-2): “...de todos os objetivos colimados pela prisão preventiva, a conveniência da instrução criminal é aquele que mais destaca o seu caráter instrumental. Ensina Campos Barros que a conveniência da instrução criminal tem função dúplice: a) utilizar-se do acusado como prova no processo; b) evitar que ele prejudique a colheita da prova, dificultando a descoberta da verdade. Portanto, essa finalidade da prisão preventiva relaciona-se, estreitamente, com a atividade probatória no processo”. Logo, sob esse viés e como foi salientado na decisão anterior, imperioso que o Ministério Público afirmasse e evidenciasse ao julgador, ainda que objetivamente, quais os atos, praticados ou a serem praticados pelos acusados, que estariam a interferir na colheita da prova, repito, da prova a ser produzida nestes autos, pois, como salientado, a medida é instrumental, vale dizer, tem caráter processual e está relacionada com a acusação deduzida no processo em que requerida, ou seja, este. 5. Feitas essas observações, acompanho, então, o detalhamento na ordem em que o manifesta o culto Órgão Ministerial, para verificar, fundamentadamente, se, em relação aos ali nominados, as alegações e evidências oferecidas podem justificar a prisão, na forma como ela foi requerida. 5.1.E. P. P. : sustenta a promoção ministerial que ele seria o “líder da organização criminosa”, detendo o domínio final das ações do “Grupo da Sorte”, sendo, inclusive o mandante de homicídios. Assinala que, em função disso, chegou a ser decretada a prisão de outro acusado, de nome K.. No que se refere ao acusado sob análise, a condição de líder da organização criminosa que se lhe atribui na denúncia, ou o domínio final da alegada organização criminosa, por si só, não justifica a medida, sob o ângulo da ordem pública. Na verdade, tal assertiva é o núcleo da acusação: poderá restar provado, ou não, que tal organização existe, que o acusado E. é seu líder e está a operar na forma descrita. Mas da própria acusação, mesmo que grave, retirar fundamento para a decretação da preventiva, data venia, não é possível. Outrossim, com relação a alguma prova a ser assegurada com esta prisão, nada é dito. Referências existem, sim, mas a processos outros. Todavia, a medida cautelar, neste ponto, há de guardar, como afirmado, estrita referibilidade à prova a ser produzida. Não é possível ao magistrado deferir, aqui, prisão preventiva, porque em outro processo poderia haver prejuízos instrutórios, mormente quando o que se alega é uma hipótese pretérita cuja solução judicial sequer foi apresentada.
Indefiro, assim, a prisão preventiva deste acusado. 5.2.E. L. O. P. : a alegação do requerente resume-se à circunstância de que este seria “filho do primeiro analisado”, pelo que disso poderia deduzir-se que “nos moldes das famílias mafiosas representa a sucessão do pai na senda criminosa”.
As condições familiares mencionadas – ser filho do primeiro analisado, representar sucessão na organização criminosa descrita na inicial – com o devido respeito não se apresentam suficientes aos objetivos pleiteados, nada acrescentando de relevante.
Indefiro, assim, a prisão preventiva deste acusado. 5.3.T. C., V. A. R., J. C. C. F. e A S. S. : novamente, o requerente afirma ser “claro que integram a cúpula da organização criminosa, sendo que deliberam e decidem sobre o pagamento de propinas e sobre ações efetivas para a segurança de suas atividades” .
Como já assinalado na decisão inicial deste Juízo, há, na passagem, elementos genéricos, abstratos, que poderiam servir em qualquer processo em que há imputação de organização criminosa. Nada de concreto e, mais importante, nenhum segmento de prova ou elemento indiciário é apontado, ao Juízo, para que possa ser inclusive fundamentado o dito decreto, de modo específico e concreto. Não é suficiente dizer que “é claro” que isso ou aquilo ocorre. Precisa ser apontado e demonstrado com base em prova. Não é possível decretar a prisão preventiva acolhendo o fundamento de que “é claro” que praticarão crimes. Com relação a V., afirma-se já ter ele respondido “pelo delito de homicídio”. Ser acusado de homicídio, conquanto grave, não pode ser, segundo alguns, objeto de consideração até mesmo para a qualificação dos antecedentes, quando menos para fundamentar decreto de custódia preventiva. Não se traz, a propósito, qualquer elemento adicional, nem mesmo o resultado de tal processo. Ademais, não é possível, aqui, decretar-se medida constritiva da liberdade, porque houve outro processo ou acusação. Em relação a J. C., particulariza-se sua conduta sob a alegação de que “exerce influência forte no segmento de caça-níqueis”. Tal circunstância, genérica a mais não poder, evidentemente não justifica a medida visada. De modo que indefiro a prisão preventiva dos acima mencionados. 5.4.L. F. S.: afirma-se ter “larga atuação no crime organizado”, tendo enriquecido “explorando o Jogo do Bicho”. Acrescenta que esta atividade foi mantida “graças à corrupção policial disseminada e, em casos em que o poderio econômico se torna ineficaz, a organização chega a matar para preservar sua atividade e seu lucro”. A exibição de evidências de que poderia algum integrante matar para assegurar a prática delituosa, amparada em prova concreta, poderia, em tese, justificar medida como a postulada, face à sua gravidade e hediondez. Mas não é isso o que se afirma com relação a este acusado: afirma-se que “a organização chega a matar para preservar sua atividade e seu lucro”. Novamente, não se sabe por que e a quem se refere o pedido, nem quem, exatamente, deve ser preso, ônus que incumbe à acusação e não pode ser transferido para o magistrado, nem suportado por todos, indistintamente, à falta dessa indicação. Nem mesmo prova pertinente foi indicada ao Juízo, malgrado a concitação anterior nesse sentido.
Indefiro, assim, a prisão preventiva deste acusado. 5.5.V. N., M. G. S. E. e J. I. : a assertiva apresentada é a de que “integram o Grupo da Sorte e foram indiciados pela morte de Zé do Milhão”. Como já assinalei, ao tratar do pedido relativo ao réu V., ser acusado de homicídio, conquanto grave, não pode ser, segundo alguns, objeto de consideração até mesmo para a qualificação dos antecedentes, quando menos para fundamentar decreto de custódia preventiva. Não se traz, a propósito, qualquer elemento adicional, nem mesmo o resultado de tal processo. Ademais, não é possível, aqui, decretar-se medida constritiva da liberdade, porque houve outro processo ou acusação.
Indefiro, assim, a prisão preventiva deste acusado. 5.6.G. S. : a circunstância invocada é a de ser “filho do denunciado A.” e que “do mesmo modo que os P., representa a sucessão na senda criminosa”. Como já mencionei, ao examinar o pedido relacionado ao denunciado E., as condições familiares mencionadas – ser filho do primeiro analisado, representar sucessão na organização criminosa descrita na inicial – com o devido respeito não se apresentam suficientes aos objetivos pleiteados.
Indefiro, assim, a prisão preventiva deste acusado. 5.7.M. O. P. : afirma o requerente que a denunciada é conhecida pela alcunha de ‘Vovó Donalda’, sendo “esposa de E. e mãe de E. L.”. Seria ela a “gerente administrativa da organização criminosa denunciada”. Com a maxima venia, não é possível deferir-se prisão preventiva porque alguém é parente, próximo ou não, de acusados. A pena ou qualquer medida não pode passar da pessoa acusada. Outrossim, a aventada condição de gerente administrativa da organização criminosa denunciada nos autos apenas explicita a atuação da acusada no contexto dos fatos já denunciados, vale dizer, não se demonstra o porquê da necessidade de sua prisão, nem os elementos de prova para tanto, razão pela qual indefiro a prisão preventiva desta acusada. 5.8.K. A. : afirma-se que o réu “é apontado pela morte de L. C. G. S. ” e que “tem postura operacional, atuando de modo ostensivo em pontos e ante arrecadadores”. Quanto ao fato de ter sido “apontado” como autor de homicídio, reporto-me para as observações já lançadas a esse respeito, acrescentando que sequer é mencionada a instauração de algum procedimento, policial ou judicial, em que essa conjectura tenha sido objeto de acusação formal. Já a referida “postura operacional” pouco acrescenta ao fato denunciado, não revestindo a concretude necessária e já apontada na decisão anterior deste Juízo para a decretação pretendida.
Indefiro, portanto, a prisão preventiva deste acusado. 5.9.O. M.: afirma-se ser ele “dos mais antigos exploradores do jogo do Bicho”. Isso não configura elemento bastante para a decretação da preventiva, sendo apenas mais um dado cronológico a respeito do próprio fato criminoso denunciado, não tendo relação hipotética com um pedido de prisão preventiva fundado na garantia da ordem pública ou no interesse da instrução criminal. Indefiro a prisão preventiva. 4.10.S. e R. M. : a alegação é de serem “pai e filho respectivamente” e que “no mesmo molde dos P. e dos S., já possuem a linha sucessória representada na organização criminosa”. Evitando tautologia, reporto-me para as considerações já tecidas a esse respeito. Acrescenta-se, ainda, que “R. tem especial atuação na ligação”, frase que se encontra incompleta, nada acrescentando de particular à atuação de R., pelo que igualmente indefiro a prisão preventiva dos mencionados. 5.11.N. N. F. : afirma-se que ele é “efetivo na coleta dos recursos para propinas”, deixando-se de evidenciar, novamente, o porquê de sua prisão sob os requisitos já referidos, donde, à falta de concreção, também
indefiro a sua prisão. 5.12.E. T. : rigorosamente, nada é dito a respeito desse acusado, senão o fato de que ele “integra o Grupo da Sorte, beneficiando-se da segurança institucionalizada pela organização, através de propinas e atos violentos”. Não é mencionado, porém, um único exemplo, com base na prova, de ato violento, ou, novamente, por que deve ser preso preventivamente. Da análise feita, reforça-se a conclusão de faltar base empírica ao provimento em questão, o qual resta, assim, inviável nos moldes requeridos, pelo que vai indeferido. 6. O exame das circunstâncias expostas na emenda à exordial reforçou a convicção inicial deste Juízo quanto à inviabilidade, tal como pretendido, de decretar-se, neste, momento a prisão preventiva dos acusados, à falta de elementos concretos de convicção, à falta de efetiva particularização das evidências e motivos que a tanto pudessem conduzir, como já referido. Não obstante, ao final de seu requerimento, afirma o Parquet um fato que se reveste de gravidade. Urge transcrevê-lo: “Portanto, todos integram a organização criminosa que chega ao requinte de convocar uma greve em face da repressão policial, onde utilizariam até mesmo a eliminação como meio coercitivo de arrecadadores que não obedecessem ao comando, conforme referido na matéria jornalística aos autos”. Tal matéria jornalística já havia sido invocada na denúncia. Como ali se pode ler, foi publicada em novembro de 2001, ou seja, há praticamente sete meses, sendo que a denúncia é de maio de 2002. Naquela matéria, diz a denúncia, os acusados “avisaram apontadores do jogo na capital de que não havia data para voltarem a trabalhar, dizendo que eles não estavam liberados para passarem a trabalhar com concorrentes, pois, nesse caso, a desobediência pode acarretar represálias, como queima do estabelecimento, espancamento do dono ou até sua eliminação” (fls....). Trata-se de fato gravíssimo, a merecer exame. Ora, mesmo que se pudesse conferir à matéria jornalística a qualidade de justa causa para deferir uma prisão preventiva, em lugar da prova ou da investigação formal a ela vinculada, o que me parece altamente discutível, o fato é que se trata de uma conjetura pretérita (de novembro de 2001). Medida judicial que se amparasse em notícia ou ameaça veiculada em jornal e, mais do que isso, veiculada há sete meses atrás, para, com isso, dar por demonstrada a urgência e a necessidade de uma prisão cautelar, mormente quando a autoria desta é inespecífica e são denunciados aqui diversas pessoas, seguramente, não é obediente à Constituição Federal, o que faz com que a invocação, despida de outros elementos, da referida matéria, por mais qualificada e respeitável que seja a publicação, não se apresente ao menos bastante ao desiderato pretendido. 7. Ainda com relação à dita notícia, cumpre referir que o trabalho da imprensa é, hoje, indispensável e necessário à sociedade como um todo. O trabalho da imprensa tem motivado investigações relevantes e sérias, tem colaborado com a descoberta da verdade, tem alertado a sociedade para questões fundamentais que lhe interessam, tem rompido o imobilismo, sendo, portanto, uma função essencial, devendo ser louvada, prestigiada e defendida. No entanto, não é possível, tecnicamente e a meu juízo, que uma notícia, por mais qualificada que seja, tome o lugar da investigação, onde esta é de rigor. A notícia pode, sim, e é saudável que isso ocorra, desencadear uma investigação, vale dizer, acionar o trabalho dos órgãos incumbidos da repressão. Mas não pode, em isso tendo ocorrido, tomar o lugar da própria investigação formal ou suprir deficiências da investigação que tenha sido conduzida, a partir da denúncia jornalística, pois a lei não o permite. Embora raros os pronunciamentos judiciais pertinentes ao tema, encontro, na jurisprudência, recente decisão judicial que vale citar, inclusive por sua pertinência à hipótese: “PENAL. DENÚNCIA INEPTA. FOTO SENSACIONALISTA DE JORNAL. PROCESSO DA COMPETÊNCIA DO JÚRI POPULAR. LESÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. DESCRIÇÃO DEFICIENTE DOS FATOS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. (...). 2. O que não pode a denúncia é incorporar, como segunda página, notícia sensacionalista de jornal da cidade, produzida sem que houvesse oportunidade de contraditório e defesa, e que influenciará, obviamente, na convicção dos jurados. 3. O poder da imprensa não pode contaminar o processo judicial, que se baseia na discrição, e, em especial, existe como garantia do cidadão contra a prepotência do Estado. 4. Os precedentes do STF têm afastado a influência exercida pelos meios de comunicação que esperam do Judiciário brasileiro um sistema de lei e ordem. A hipótese dos autos vai além, porque excede o terreno da influência de convencimento, autorizando que a intromissão se concretize dentro dos autos, colaborando para uma acusação fora dos parâmetros aceitáveis, segundo o art. 41 do CPP” (Habeas Corpus nº 2002.04.01.009198-9/RS, 7ª Turma do TRF-4ª, Rel. Des. Fábio Rosa). Esse ilustre julgador, ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, faz considerações que não me furto de invocar, porque versam, precisamente, sobre a prisão preventiva, e enfrentam a parte final do pedido de preventiva deduzido, a meu ver inadequada, em que se sustenta que “ao magistrado, na presidência do processo criminal, compete sempre reforçar a imagem do Poder Judiciário como garantidor dos direitos sociais (...)”, invocando-se precedente, no qual são feitas referências ao “impacto social”, à “credibilidade da justiça na comunidade” como motivos capazes de justificar tal prisão. O aludido voto do Desembargador Fábio Rosa menciona o seguinte sobre tais invocações: “...no HC 81148/MS, julgado em 11.9.2001, pela 1a. Turma do STF, o Ministro Sepúlveda Pertence considerou: “3. Constitui abuso da prisão preventiva – não tolerada pela Constituição – a sua utilização para fins não cautelares, mediante apelo à repercussão do fato e à necessidade de satisfazer a ânsias populares de repressão imediata do crime em nome da credibilidade do Poder Judiciário: precedentes da melhor jurisprudência do Tribunal”. Também a 2a Turma do Excelso Pretório, no HC 80.719/SP, relatado pelo Min. Celso de Mello, julgado em 26.06.2001, assim se manifestou: “A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5o. LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamadas pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem”. A represssão à criminalidade há de ser séria e efetiva com o fim exclusivo de garantir a segurança pública. Atropelar as garantias individuais, porém, gera a mais perigosa insegurança ao cidadão”. Do exposto, creio não ser possível, tal como o pedido restou formulado, deferi-lo. Não vislumbro, no presente caso, o aventado clamor público. Não considero, ademais, que, mesmo quando existente, seja ele suficiente, do ponto de vista jurídico, para sustentar decreto dessa natureza. Refiro, mais uma vez, que nada impede que, em momento outro e com fundamentos e demonstrações mais apropriados, venha a ser decretada tal medida, como, sabidamente, pode sê-lo, a qualquer tempo (art. 311, parte inicial, do CPP). Tal seria a hipótese, por exemplo, de que testemunhas viessem a sofrer indevida influência no curso do processo, de que elementos probatórios viessem a correr risco de periclitação, de que houvesse indícios concretos de fuga dos réus ou de que crimes outros, tais quais os mencionados, viessem a ser praticados, prometidos ou tentados, para o que este Juízo estará atento. Apenas, como já salientei, bem mais prejudicial ao Poder Judiciário é a decretação de uma prisão preventiva, para que seja, logo adiante, cassada pelos Tribunais Superiores, do que seu indeferimento “ab initio”, quando o pedido para tanto apresentado, mesmo após concitação judicial, no sentido de seu aperfeiçoamento, resta por não apresentar, ao magistrado, condições técnicas e concretas de ser deferido, hipótese que, a meu ver, é a dos autos, malgrado a gravidade das imputações denunciadas. 8. FACE AO EXPOSTO, recebo a promoção de fls. como aditamento à inicial e indefiro o pedido de prisão preventiva deduzido. Intime-se o Ministério Público. Após, voltem para designação do interrogatório dos acusados. Demais diligências. Porto Alegre, 29 de Maio de 2002 Umberto Guaspari Sudbrack
Juiz de Direito


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