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Decisão: Para caber a causa supralegal de exclusão da culpabilidade relacionada às dificuldades financeiras da empresa do acusado, que impossibilitariam o cumprimento de sua obrigação legal, deve haver robusto conjunto de provas nos autos demonstra

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Juiz Élcio Pinheiro de Castro

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.04.01.047420-5 RELATOR: JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO EMENTA DIREITO PENAL. NÃO-RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CONDUTA OMISSIVA. ELEMENTO SUBJETIVO. DIFICULDADES FINANCEIRAS. CULPABILIDADE. PARCELAMENTO DO DÉBITO RESCINDIDO POR INADIMPLÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 34 DA LEI Nº 9.249/95. ADESÃO AO REFIS APÓS A DENÚNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA DO ART. 15 DA LEI Nº 9.964/00. CONDENAÇÃO.
1. No crime de não-recolhimento de contribuição previdenciária descontada dos empregados, previsto no art. 95, letra d, da Lei nº 8.212/91, o tipo subjetivo esgota-se no dolo, não havendo exigência comprobatória do especial fim de agir (animus rem sibi habendi).
2. Para que incida a causa supralegal de exclusão da culpabilidade relacionada às dificuldades financeiras da empresa do acusado – que impossibilitariam o cumprimento de sua obrigação legal – deve haver robusto conjunto de provas nos autos demonstrando essa situação.
3. Não obstante ajustado antes da denúncia, o parcelamento de débito não cumprido, afasta a aplicação do benefício de que trata o art. 34 da Lei 9249/95.
4. Só pode ser conferido o favor previsto na Lei nº 9.964, de 10-04-00, que em seu art. 15, determina a suspensão da pretensão punitiva do Estado, quando a adesão ao Refis for precedente ao recebimento da exordial. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 01 de outubro de 2001. JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra C.J.B.J. pela prática da infração descrita no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91, c/c o art. 71 do CP. Segundo se depreende da inicial, o acusado na condição de administrador da empresa Ecoltec Consultoria Ambiental S.A., deixou de recolher aos cofres do INSS, no prazo legal, importâncias descontadas dos salários de seus empregados a título de contribuição previdenciária no período entre junho/93 e janeiro/97. Com os acréscimos legais, o valor devido à Seguridade Social totalizava R$ 105.471,81 em 01-02-97. O ínclito magistrado a quo determinou a intimação do denunciado para informar eventual pagamento. Ante seu silêncio, foi recebida a peça incoativa em 01-12-98. Regularmente instruído o feito, sobreveio sentença julgando improcedente a pretensão punitiva para absolver C.J.B.J. da acusação imputada, nos termos do art. 386, V, do Código de Processo Penal. O decisum foi publicado em 13-11-2000. Inconformado, o Parquet Federal apelou buscando a condenação do réu. Em suas razões, alega que, muito embora tenha ocorrido parcelamento do débito previdenciário antes do recebimento da denúncia, não houve o pagamento das parcelas, sendo o acordo rescindido. Sem contra-razões, subiram os autos. A douta Procuradoria da República, oficiando no feito, opinou pelo provimento do recurso. É o relatório. À Revisão. VOTO JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - A materialidade do delito resta inequivocamente comprovada pela Notificação Fiscal de Lançamento de Débito nº 32.487.891-5 e demonstrativos que a acompanham (fls. 10/13 e 38/93, apenso). No tocante à autoria, durante o interrogatório C.J.B.J. afirmou ser Diretor-Presidente da empresa confessando, inclusive, o descumprimento do dever legal (fl. 16). Dirimindo qualquer dúvida, o contrato social (fls. 22/37) indica-o expressamente como sócio-gerente da firma. Relativamente ao dolo do agente, insta consignar ser omissiva a ação descrita no dispositivo legal por que foi condenado o réu. Diferentemente das leis penais que criminalizam conduta ativa – em última análise, repelida por essas normas – os tipos omissivos indicam qual postura o sujeito deve adotar em determinada situação. A proibição volta-se, assim, contra outro ato que não aquele descrito no preceito normativo. Nessa perspectiva, é possível afirmar que, nos crimes omissivos, o autor não age diretamente na produção do evento. A lei impõe ao agente a prática de um ato (in casu, recolher as contribuições à Previdência) a fim de evitar o que, sem sua participação, necessariamente irá ocorrer. A atuação do sujeito, nesses casos, é indispensável para interromper o curso causal em desenvolvimento e, assim, impedir o resultado. Propondo-se a qualquer outra finalidade que não aquela determinada pela ordem jurídica, pratica o acusado a conduta proibida (diversa da imposta pelo tipo). Por essas razões, não é preciso demonstrar, na presente hipótese, o animus rem sibi habendi para caracterização do delito. Conseqüentemente, não havendo necessidade de se provar o especial fim de agir, basta que se verifique vontade livre e consciente de descontar contribuições dos salários dos trabalhadores, sem recolhê-las, posteriormente, à Previdência Social. Nesse contexto, nenhuma dúvida há acerca da existência de dolo na conduta de CICERO. Veja-se o posicionamento do Egrégio STF nessa direção, in verbis: “HABEAS-CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA PRATICADO EM CONTINUIDADE DELITIVA: NÃO-RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA DE EMPREGADOS. ALEGAÇÕES DE: EXCLUSÃO DA ILICITUDE POR INEXISTÊNCIA DE DOLO; EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PARCELAMENTO DO DÉBITO; INEXISTÊNCIA DE MORA POR VÍCIO NA NOTIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA, PORQUE DIRIGIDA À PESSOA JURÍDICA; ATIPICIDADE DO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA; E DE APLICAÇÃO DA LEX GRAVIOR EM DETRIMENTO DA LEX MITIOR: ULTRA-ATIVIDADE DA LEI PENAL QUANDO, APÓS O INÍCIO DE CRIME CONTINUADO, SOBREVÉM LEI MAIS SEVERA. 1., 2. e 3. omissis. 4. Alegação improcedente de atipicidade do delito de apropriação indébita (crime de resultado), porque o paciente foi condenado por crime contra a ordem tributária: não-recolhimento de contribuição previdenciária descontada de empregados, que é crime omissivo puro, infração de simples conduta, cujo comportamento não traduz simples lesão patrimonial, mas quebra do dever global imposto constitucionalmente a toda a sociedade; o tipo penal tutela a subsistência financeira da previdência social. Inexistência de responsabilidade objetiva. 5. omissis. 6. Habeas corpus conhecido, mas indeferido.” (HC nº 76.978/RS, Rel Min. Maurício Corrêa, Segunda turma, DJ de 19.02.99) Dito isso, convém breve transcrição dos fundamentos da decisão monocrática (fls. 100/106): “(...) Pois bem. O que se constata na análise do documento acostado na fls. 87-89 é que o débito constante na NFLD nº 32.487.891-5 foi objeto de parcelamento, para o qual foi efetuado um único pagamento, ocorrendo sua rescisão pela inadimplência do acordo firmado. Verifica-se, ainda, que o parcelamento foi obtido em 05.06.97 (fl. 89), ou seja, antes do recebimento da denúncia, que data de 1º.12.1998. Conforme a previsão do art. 34, da Lei nº 9.249/95, apenas o pagamento efetuado anteriormente ao recebimento da denúncia extingue a punibilidade. No entanto, segundo a orientação jurisprudencial predominante, para efeitos penais, o parcelamento possui a mesma implicação do pagamento, independentemente do integral cumprimento do ajuste, não importando a ocorrência de rescisão, ainda que esta se dê em momento anterior ao do recebimento da denúncia. (...) A ação penal, por incumprimento de acordo, não pode prosperar, visto que o parcelamento implica novação da dívida, desaparecendo o débito anterior. Permitir-se a condenação pelo não-recolhimento das parcelas do ajuste acarretaria violação ao art. 5º, inc. LXVII, da CF, porquanto se estaria incriminando a própria dívida civil surgida do refinanciamento do débito originário. (...)”. Com a devida vênia, discordo dos fundamentos expedidos no decisum. O Termo de Parcelamento da Dívida firmado entre a empresa do acusado e o INSS, a propósito do débito ensejador da persecução criminal em análise, se deu em 05.06.97 (fl. 88) antes, portanto, do recebimento da inicial (01.12.98-fl. 07). Inobstante isso, ao contrário do que entendeu equivocadamente, o nobre julgador a quo, não há nos autos documentação comprobatória do recolhimento de nenhuma das parcelas contratadas, motivo pelo qual o guerreado acordo foi rescindido. Segundo informou o INSS, em 06-08-98, a NFLD 32.487.891-5 está em fase de cobrança judicial (fl. 42). A Lei nº 9.249, de 26-12-95, em seu art. 34, determina a extinção da punibilidade quanto aos crimes definidos na Lei nº 8.137/90, na hipótese de o agente “promover o pagamento do tributo ou contribuição social (...) antes do recebimento da denúncia”. Assim, somente pode haver extinção da punibilidade com a integral satisfação do débito, o que não se efetivou no presente caso, tampouco a dita novação. Da mesma forma, o cumprimento parcial do ajuste, ainda que tivesse ocorrido, não exclui o ilícito. Nesse sentido, Acórdão do STJ assim ementado: “HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. SONEGAÇÃO FISCAL. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ‘A extinção da punibilidade, nos termos do art. 34, da Lei nº 9.249/95, somente é possível nos casos em que o pagamento integral do tributo for efetuado antes do recebimento da denúncia. Parcelamento de débito não é pagamento integral, pois o débito parcelado somente será considerado quitado após o pagamento da última parcela. Ordem denegada.” (HC nº 12635/SC, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ de 19.03.2001, p. 123) Os comprovantes acostados às fls. 93/98, referem-se ao Programa de Recuperação Fiscal a que aderiu a Ecoltec somente em 24-03-2000 (fl.90), ou seja, posteriormente ao acolhimento da peça acusatória. Portanto não é hipótese amparada pela Lei nº 9.964, de 10-04-00, que em seu art. 15, determina a suspensão da pretensão punitiva do Estado relativa aos crimes definidos nas Leis nº 8.137/90 e nº 8.212/91, quando a pessoa jurídica relacionada com o agente estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Plano tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal”. Em relação às dificuldades financeiras da empresa, consta nos autos isolada declaração do acusado e de uma testemunha que trabalhou na empresa em período posterior ao das omissões. Segundo o disposto no artigo 156 do CPP, a prova da alegação incumbe a quem a fizer, sob pena de não ser considerada pelo julgador. Confira-se decisum do Tribunal Regional Federal da 3ª Região sobre o tema: “PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DOS SALÁRIOS DOS EMPREGADOS. ALEGAÇÕES DE DIFICULDADES FINANCEIRAS. (...) II - Não tem a acusação o ônus da prova quanto à existência de recursos para os recolhimentos, devendo as alegações de dificuldades financeiras serem provadas pelo réu, conforme dicção do artigo 156 do CPP.” (ACR 98.03.013298-9/SP, Relator Juiz Peixoto Júnior, publicada no DJU em 07-02-2001, p. 243) Convém frisar que para incidência da causa supralegal de exclusão da culpabilidade relacionada às dificuldades financeiras da empresa administrada pelo réu, indispensável robusto conjunto probatório nos autos demonstrando absoluta impossibilidade de recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados. A propósito, as seguintes decisões desta Corte: “PENAL. CRIME DE OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. DIFICULDADES FINANCEIRAS. PROVA. (...) 2. A alegação de dificuldades financeiras, para excluir a antijuridicidade, deve vir acompanhada de provas robustas, sendo imprestável tão-somente a prova testemunhal. (ACR 96.04.08949-8/PR, Rel. Juiz Jardim de Camargo, publicada no em 30-04-97, p. 29.547) “PENAL. ART. 95, 'D', LEI Nº 8.212/91. ABOLITIO CRIMINIS. INEXISTÊNCIA. ELEMENTO SUBJETIVO. DIFICULDADES FINANCEIRAS. PARCELAMENTO. REFIS. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. (...) 2. A conduta prevista no art. 95, "d", da Lei nº 8212/91, caracteriza crime omissivo próprio, onde o dolo independe da intenção específica de auferir proveito, pois o que se tutela não é a apropriação das importâncias, mas o seu regular recolhimento. 3. Somente a situação de absoluta insolvência da empresa, plenamente comprovada nos autos, é capaz de acarretar um juízo absolutório, diante da gravidade do delito imputado.” (ACR nº 1999.04.01.130660-5/RS, Rel. Juíza Ellen Gracie Northfleet, publicada no DJU em 29-11-2000) Nessa perspectiva, não havendo mais dados suficientes (como títulos protestados, balanços, declaração de renda pessoa física e jurídica, análises contábeis, prova da quebra, etc.) a demonstrar o alegado, descabe falar em inexigibilidade de conduta diversa e, igualmente, em estado de necessidade. Para a caracterização desse instituto, faz-se necessário que o agente não tenha outro modo de evitar o sacrifício do bem jurídico tutelado pela norma penal. O que se verifica é a simples transformação de recursos públicos em privados. Dessarte, merece reforma a decisão monocrática, devendo ser condenado CICERO pela prática do crime inscrito no artigo 95, d, da Lei nº 8.212/91. Passo à dosimetria da pena examinando, primeiramente, as circunstâncias judiciais do artigo 59. O dolo foi comum para esse tipo de infração penal; a culpabilidade esteve em grau médio. A conduta social e a personalidade do acusado foram abonadas pelas testemunhas. As conseqüências do crime, bem como suas circunstâncias, não fugiram ao normal da espécie. Essa avaliação autoriza atribuir pena-base em 02 (dois) anos de reclusão. A atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, d) em nada a modifica, pois restou fixada no mínimo legal. Em face da continuidade delitiva (art. 71, caput, do Estatuto Repressivo), aplico aumento de 1/6 (um sexto), estabelecendo a reprimenda definitiva em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses, em regime aberto. A multa fica estipulada em 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de um salário-mínimo vigente em janeiro de 1997. Estando preenchidos os requisitos do art. 44 do Estatuto Repressivo, mister substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a saber, prestação de serviços à comunidade e pecuniária no valor de 10 salários-mínimos, em favor de instituição beneficente a ser determinada pelo juiz da execução. Por fim, cumpre lembrar que, sendo a prescrição matéria de ordem pública, pode ser declarada de oficio em qualquer fase do processo (art. 61 - CPP). Considerando a pena aplicada, constato estarem prescritas as apropriações cometidas antes de dezembro de 1994 (julho/93 a dezembro/94), visto que transcorreram mais de quatro anos entre aquelas datas e o recebimento da denúncia (01-12-98), prazo este previsto para a extinção da punibilidade (art. 109, V, CP). Entretanto, permanece a pretensão punitiva do Estado para as infrações não extintas. Isto posto, dou provimento ao recurso para condenar C.J.B.J., pela prática do delito insculpido no artigo 95, d, da Lei nº 8.212/91, às sanções de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, fixados unitariamente em um salário-mínimo vigente em janeiro de 1997. De ofício, declaro extinta a punibilidade quanto aos fatos prescritos e substituo a reprimenda corporal por duas penas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade (a ser designada no Juízo da Execução) e pecuniária no valor de dez salários-mínimos, nos termos da fundamentação.


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