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Decisões: Apelação. Descaminho não é delito de bagatela quando causa dano relevante

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

Juiz Élcio Pinheiro de Castro

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.104025-7/RS RELATOR: JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO EMENTA DIREITO PENAL. DESCAMINHO. INSIGNIFICÂNCIA JURÍDICA. CONTRABANDO. CIGARROS. DECRETO CONDENATÓRIO.
1. O DESCAMINHO SÓ PODE SER CONSIDERADO DELITO DE BAGATELA QUANDO O DANO RESULTANTE DA INFRAÇÃO NÃO CAUSA IMPACTO NO OBJETO JURÍDICO DO TIPO PENAL, EM RAZÃO DA PEQUENA QUANTIDADE DE PRODUTOS APREENDIDOS E SEU DIMINUTO VALOR.
2. NA HIPÓTESE DOS AUTOS, NÃO HÁ SE FALAR NO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA JURÍDICA EIS QUE FORAM INTERNADOS 736 PACOTES DE CIGARROS, ATINGINDO A QUANTIA DE R$ 7.744,40 (SETE MIL, SETECENTOS E QUARENTA E QUATRO REAIS E QUARENTA CENTAVOS).
3. CONDENAÇÃO DO ACUSADO PELA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 334, CAPUT DO CÓDIGO PENAL, FIXANDO-SE A PENA EM 1 (UM) ANO DE RECLUSÃO, SUBSTITUÍDA POR UMA RESTRITIVA DE DIREITO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 01 de outubro de 2001. JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO – O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra PEDRO CANÍSIO PERSCH pela prática do delito previsto no artigo 334, caput, do Código Penal Brasileiro. Nos termos da peça acusatória, a conduta atribuída ao réu consiste na internação, em território nacional, de 736 pacotes de cigarros, sendo 591 de origem brasileira, destinados exclusivamente à exportação, com reingresso proibido, e 145 de procedência estrangeira, desacompanhados da regular documentação fiscal. O material apreendido foi avaliado em R$ 7.744,40 (sete mil, setecentos e quarenta e quatro reais e quarenta centavos) dos quais R$ 6.526,40 (seis mil, quinhentos e vinte e seis reais e quarenta centavos) referentes ao crime de contrabando e R$ 1.218,00 (mil, duzentos e dezoito reais) ao descaminho. A denúncia foi recebida em 21/11/97 (fl. 82). O MM. Juiz a quo, tendo em conta os princípios da insignificância jurídica e da adequação social, absolveu o acusado, com apoio no art. 386, III, do CPP (fl. 222). Decisão publicada em 23/06/2000 (fl. 222v.). Inconformado, o Parquet interpôs apelação, sustentando a inaplicabilidade do princípio da insignificância jurídica em virtude do elevado valor das mercadorias apreendidas. Salienta possuir o réu antecedentes criminais pela prática da mesma infração versada nestes autos (fl. 224). Apresentadas contra-razões, subiram os autos. A douta Procuradoria da República, oficiando no feito, manifestou-se pelo provimento da irresignação. É o relatório. À revisão. VOTO JUIZ ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - Quando a conduta prevista no art. 334 do Código Penal não causa impacto no bem jurídico tutelado, em razão da pequena quantidade de mercadorias apreendidas e de seu diminuto valor, o descaminho e o contrabando podem ser considerados delitos de bagatela. Logo, a prática delituosa é materialmente atípica, por força da incidência do princípio da insignificância jurídica. Nesse sentido, cumpre mencionar a doutrina de Francisco de Assis Toledo: “Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas. (...) Note-se que a graduação qualitativa e quantitativa do injusto, permite que o fato penalmente insignificante seja excluído da tipicidade penal, mas possa receber tratamento adequado – se necessário – como ilícito civil, administrativo etc., quando assim o exigirem preceitos legais ou regulamentares extrapenais (...) Nem tudo que é formalmente típico (= subsumido a um tipo legal) é materialmente típico (= adequado a um tipo de injusto).” (in Princípios Básicos de Direito Penal, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p. 133/135) Modernamente, entende-se que a tipicidade do comportamento do agente não se esgota em um juízo lógico formal de subsunção do fato à norma penal. Impende atentar à proporcionalidade que deve existir entre delito e pena e, no caso do contrabando e descaminho, mesmo aplicando-se a sanção mínima prevista na lei, ainda assim, em certos casos, seria desproporcional ao significado social do fato. Atribuir a tais crimes essa configuração não significa chancelar a impunidade, visto que o perdimento dos bens apreendidos constitui, per si, pena gravíssima, notadamente nos casos em que o réu é pessoa humilde. O produto da venda dessas mercadorias, alienadas em leilões da Receita Federal, reverte ao Estado, para pagamento dos impostos sonegados e das despesas operacionais. No que tange ao bem jurídico tutelado nos indigitados ilícitos penais, cabe transcrever a lição de Damásio E. de Jesus: “O objeto jurídico é o interesse estatal no que diz respeito ao erário público lesado pelo comportamento do sujeito, que, importando ou exportando mercadoria proibida ou deixando de pagar os impostos e taxas devidos, prejudica não só o poder público como a indústria nacional. Assim, secundariamente, protege-se também a indústria brasileira, a moralidade e até a saúde pública, que pode vir a ser lesada pela entrada de produtos nocivos a ela e, por isso, proibidos.” (in Direito Penal, 4º vol., 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 237/238) Contudo, na hipótese dos autos, houve internação irregular de 145 caixas de cigarros de procedência estrangeira, avaliadas em R$ 1.218,00 (mil duzentos e dezoito reais), bem como 591 pacotes de cigarros de origem brasileira, destinados exclusivamente à exportação, com reingresso proibido, no valor de R$ 6.526,40 (seis mil, quinhentos e vinte e seis reais e quarenta centavos), atingindo o montante total de R$ 7.744,40 (sete mil, setecentos e quarenta e quatro reais e quarenta centavos). A Receita Federal, à fl. 14, informou que os tributos sonegados importam em R$ 5.208,88 (cinco mil duzentos e oito reais e oitenta e oito centavos). Em suma, no presente caso, à evidência, não está configurado o delito de bagatela, seja em relação ao descaminho, seja quanto ao contrabando, revelando-se inaplicável o guerreado princípio da insignificância. Destarte, merece reforma a sentença hostilizada. Assim, passo ao exame dos fatos. Em 24 de dezembro de 1995, a Polícia Rodoviária Federal encontrou o veículo Chevrolet Opala placa ICQ 6248, pertencente a A.R.L., abandonado nas imediações do posto da PRF em Alegrete/RS, carregado de cigarros estrangeiros e brasileiros destinados à exportação. As mercadorias e o veículo foram encaminhados à Delegacia da Receita Federal em Uruguaiana/RS – fls. 11/12. Expedida carta precatória nos autos do inquérito policial, ARLINDO prestou as seguintes declarações: “QUE foi proprietário do automóvel Opala, placas ICQ 6248/Cerro Largo/RS, até 28 de setembro de 1995, quando o veículo foi vendido para JOÃO BARBOSA, através do Contrato Particular de Compra e Venda de veículo que ora apresenta, (...) QUE posteriormente veio a saber que JOÃO BARBOSA havia renogociado o veículo para PEDRO CANÍSIO PERSCH; QUE, chegou ao seu conhecimento que CANÍSIO, quando transitava pela BR 290, próximo à Uruguaiana/RS, ao constatar a existência de fiscalização na estrada, havia abandonado o veículo, tendo sido encontrado em seu interior diversas mercadorias estrangeiras contrabandeadas; QUE, CANÍSIO, em dia próximo ao abandono do veículo, lhe procurou, pedindo que o acompanhasse até a Polícia Federal de Uruguaiana/RS para que, na condição de ainda proprietário do veículo, face a documentação estar em seu nome, tentasse sua recuperação, negando-se o declarante à prática do solicitado. (...)”(fls. 59/60) P.C. foi ouvido na Delegacia da Polícia Federal, confirmando as declarações de ARLINDO (fls. 74/75). Recebida a denúncia em 21 de novembro de 1997 (fl. 82), o réu foi interrogado, declarando ser verdadeira a acusação que lhe é feita, informando, ainda, o seguinte: “Conheceu dois homens na cidade de São Luis uns dois meses antes da viagem que fez à Rivera-ROU e que tem ligação com o fato narrado na denúncia num ônibus no qual haviam todos viajado uma ou duas vezes para o Paraguai. Não lembra o nome desses homens. Na segunda vez que teve contato com esses dois homens no ônibus de viagem para o Paraguai eles lhe fizeram uma proposta: ‘se faria uma viagem ao Uruguai para buscar alguns cigarros’. Então lhe disse que faria dependendo de quanto iria ganhar. Lhe disseram que ele ganharia R$ 500,00 (quinhentos reais). Então lhe disse que se passasse de mil quilômetros que iria ganhar mais. Como na ida deveria ir por um caminho e na volta por outro, que seria com destino a Quaraí, passando por Alegrete, o qual tinha um trecho de estrada de chão, eles lhe disseram que se passasse dos mil quilômetros, acertariam na volta. Como não conhecia aquele trecho de estrada de chão acabou retornando pela BR-290, onde avistou uma barreira policial. Antes de ser parado na barreira entrou numa estrada de chão à direita e andou com o veículo por uns setecentos ou oitocentos metros até que a estrada acabou num lixão. Em seguida avistou alguns carros que se aproximavam com luz alta, se assustou, trancou o carro e entrou no mato. Então a polícia gritou que deveria sair do mato senão eles iriam atirar. Como não estava armado mas a polícia poderia pensar que estava, e porque já estava no mato, resolveu não se apresentar e continuou entrando no mato, tendo ouvido alguns tiros que não sabe em que direção foram, inclusive se foram no carro, que nunca mais o viu. Aceitou a proposta daqueles homens em São Luiz Gonzaga porque estava precisando de dinheiro, já que estava desempregado e vivia apenas de uns biscates, como até hoje vive. Àquela época já tinha esposa e uma filha; ambas não trabalhavam e não trabalham e vivem sob sua dependência econômica. No começo não sabia que não era permitido trazer aqueles cigarros do Uruguai, mas depois ficou sabendo, só que aí como estava precisando muito do dinheiro e porque não sabia que iria ser tão arriscado, acabou indo. Se soubesse que ia ser tão arriscado não teria ido.” (fls. 136/137). Assim, a autoria do delito se mostra incontroversa. Quanto à materialidade, restou comprovada pela Relação de Mercadorias anexa ao Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal (fls. 16/24). Também presente no caso o dolo genérico, que consiste na vontade livre e consciente de importar mercadorias proibidas. Nesse contexto, impõe-se a condenação de P.C.P., pela prática do delito inscrito no art. 334, caput do Diploma Penal. Com essas considerações, passo à fixação da reprimenda. A culpabilidade apresenta-se em grau mínimo, há registro de antecedentes criminais (fls. 83 e 97 – o réu já foi denunciado outras duas vezes pela prática de contrabando e descaminho), inexistem dados suficientes que permitam aferir a conduta social e a personalidade do acusado; os motivos e conseqüências são próprios do tipo delituoso e as circunstâncias comuns à espécie. Assim, de acordo com o art. 59 do Estatuto Repressivo, fixo a pena-base em 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão. Aplicando a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, d, CP), reduzo a sanção em três meses, restando definitivamente fixada em 1 (um) ano. Cabível a substituição por uma pena restritiva de direito (art. 44 do CP), qual seja, prestação de serviços a instituição comunitária ou social, a ser indicada pelo Juízo da Execução (art. 43, IV, CP). Ante o exposto, dou provimento ao apelo ministerial, para condenar P.C.P. pela prática do delito previsto no art. 334, caput, do CP, a 1 (um) ano de reclusão, restando substituída a pena corporal por prestação de serviços à comunidade, nos termos da fundamentação.


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