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TRF 3ª REGIÃO - APELAÇÃO
CRIMINAL Nº 1999.03.99.016855-9 (DJU 21.11.2000, SEÇÃO 2, p. 224)
RELATOR : O
EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL THEOTONIO COSTA
APELANTE : OSVALDO LUIZ CECCATO
APELADA : JUSTIÇA PÚBLICA
ADVOGADO:
LOURIVAL VIEIRA E OUTROS
EMENTA
PENAL. RETENÇÃO DE
CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS DESCONTADAS DOS SALÁRIOS DOS EMPREGADOS: ART. 95,
"D" DA LEI Nº 8.212/91. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS
COMPROVADAS: RÉU NO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA DE EMPRESA. DIFICULDADES
FINANCEIRAS NÃO COMPROVADAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA: INOCORRÊNCIA.
DESESTABILIZAÇÃO ECONÔMICA NACIONAL: ARGUMENTOS METAJURÍDICOS: NÃO
REPERCUSSÃO NA EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PRINCIPAL E NA
PUNIBILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO CONFIGURADO. EMPRESÁRIO: MERO
RETENTOR. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS: FINALIDADE CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDA.
RECOLHIMENTO: PRIORIDADE. DOLO ESPECÍFICO: INEXIGÊNCIA: DELITO OMISSIVO PRÓPRIO.
INOCORRÊNCIA DE OFENSA A PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DE PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA.
PARCELAMENTO DA DÍVIDA POSTERIOR AO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA: IMPOSSIBILIDADE
DA INCIDÊNCIA DA CAUSA DE EXCLUSÃO DA PUNIBILIDADE D0 ART. 34 DA LEI 9.249/95:
ALEGADA AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA, EM PRETENSO PREJUÍZO
DAS PESSOAS DE MENOR CAPACIDADE ECONÔMICA: NÃO VIOLAÇÃO: VÍNCULO DE CORRELAÇÃO
LÓGICA ENTRE O FATOR DE "DISCRÍMEN" ELEITO E A RAZÃO DIFERENCIAL
QUE LHE SERVIU DE BASE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ANISTIA: § ÚNICO DO ARTIGO
11 DA LEI 9.639, DE 26 DE MAIO DE 1998. INCONSTITUCIONALIDADE POR VÍCIO FORMAL
RECONHECIDA. EFEITOS ERGA OMNES DA DECISÃO. APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA
ISONOMIA: ART. 95, "D" DA LEI 8.212/91 E ART. 11, "CAPUT" DA
LEI 9.639/98: IMPOSSIBILIDADE: ANISTIA PARCIAL: SITUAÇÕES DISPARES. EXCLUSÃO
DA PENA DE MULTA: ALEGAÇÃO: EFEITO DE CONFISCO: DÉBITO GARANTIDO EM EXECUÇÃO
CIVIL: IMPOSSIBILIDADE. TUTELA PENAL: OBJETIVO: PENALIZAÇÃO PELA CONDUTA
OMISSIVA, E NÃO GARANTIA NO RECEBIMENTO DOS DÉBITOS. CONDENAÇÃO MANTIDA.
DOSIMETRIA DA PENA: EXCLUSÃO DO AUMENTO PELA APLICAÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIA DE
VIOLAÇÃO A DEVER INERENTE AO CARGO DE DIRETOR: ELEMENTO CONSTITUTIVO DO TIPO.
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE: SUBSTITUIÇÃO DE OFÍCIO: RESTRITIVA DE DIREITOS.
APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
I
- Comprovadas nos autos a materialidade e autoria de crime de omissão de
recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos
empregados, pelo proprietário de empresa individual, responsável pela gerência
e cumprimento de suas obrigações legais.
II
- Alegações de dificuldades financeiras não comprovadas pela documentação
juntada,
elidindo eventual estado de necessidade, que poderia levar à exclusão da pena,
não se prestando a ilidir a culpabilidade do agente, como causa supra legal de
exclusão da culpabilidade, consubstanciada na inexigibilidade de conduta
diversa, tratando-se de argumento metajurídico, que não repercute na
inexigibilidade da obrigação tributária principal que originou o débito
fiscal incriminado.
III
- O apelante dispunha da alternativa do parcelamento do débito até o
recebimento da denúncia, único meio que permitiria exigir-se-lhe conduta
diversa da incriminada no tipo, e de acordo com o ordenamento jurídico.
IV
- Estado de necessidade não se confunde com estado de precisão. Para
configurar- se, mister se faz a demonstração de que o agente pratica o ato
como recurso extremo para salvar direito próprio ou alheio de perigo inevitável,
e que apenas pode ser impedido através de violação a bem jurídico alheio, não
bastando invocar dificuldades financeiras, ou desestabilizações econômicas
ocorridas no País, pelas quais todo o empresariado, bem como o povo brasileiro,
constantemente vem passando, como fatores supralegais de isenção de pena.
V
- Não se configura como hipótese de exclusão de ilicitude a insuficiência
de recursos
da
empresa para atender primeiramente a compromissos com fornecedores ou
empregados, vista que o legislador atribuiu ao compromisso do empresário, mero
retentor das contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos
empregados, superlativa prioridade, ao tipificar sua omissão como crime.
VI
- O argumento de atipicidade da conduta pela ausência do dolo específico de
apropriar-se dos valores descontados sucumbe diante da análise da própria
descrição típica do delito em apreço, que não veicula elementar relacionada
à especial finalidade de agir do agente, bastando, para sua configuração, o
dolo genérico. Trata-se de crime omissivo próprio, que se consuma com a
conduta negativa, prevenindo e reprimindo comportamento contrário à
regularidade no pagamento das importâncias devidas ao Estado.
VII
- O crime tipificado pelo artigo 95, "d" da Lei nº 8.212/91 não fere
o comando constitucional de proibição de prisão civil por dívida, visto que
esta é decretada como meio para induzir o devedor ao pagamento, cessando no
momento em que este é efetivado, enquanto a conduta em apreço prevê prisão
por violação a um crime, constituindo a sanção pelo seu descumprimento, com
duração concretamente determinada dentro dos parâmetros da lei, independente
de pagamento.
VIII
- O art. 34 da Lei 9.249/95, instituiu novamente o pagamento do débito, antes
do recebimento da denúncia, como causa extintiva da punibilidade do delito de
retenção de contribuições sociais descontadas dos empregados. Comprovado nos
autos que não ocorreu pedido de parcelamento ou quitação do débito antes do
recebimento da peça exordial da acusação, sendo, pois, inaplicável ao
apelante.
IX
- A extinção da punibilidade do crime previsto no artigo 95, alínea
"d" da Lei nº 8.212/91, estabelecida pelo artigo 34 da Lei nº
9.249/96, não ofende o primado constitucional do tratamento jurídico. Ao revés,
guarda perfeita correlação lógica com a disparidade de tratamento jurídico
estabelecida pela norma impugnada, que se revela consentânea com os interesses
que a norma incriminadora visa proteger, ou seja, a relevância social do equilíbrio
financeiro da Previdência Social.
X
- O parágrafo único do artigo 11 da Lei 9.639, na redação publicada no dia
26 de maio de 1998, constitui-se em norma legal eivada de vício de
inconstitucionalidade formal, verificado na última fase de seu processo
legislativo, entre a votação e aprovação do projeto de conversão pelo
Congresso e a sua sanção pelo Presidente da República. Tal mácula impõe óbice
intransponível à sua eficácia no ordenamento jurídica lnconstitucionalidade
declarada pelo Pleno do S.F.: efeitos erga omnes da decisão.
XI
- Não há que se questionar a aplicação do princípio da isonomia para
dispares, como a veiculada no artigo 95 alínea "d" da Lei nº
8.212/91 e o "caput" do artigo 11 da Lei nº 9.639/98. A situação
dos agentes políticos é peculiar e distinta daquela dos titulares de pessoas
jurídicas privadas. A anistia parcial ali veiculada tratou desigualmente as
pessoas desiguais, prestigiando o princípio da igualdade e corrigindo uma situação
de responsabilização sem culpa "lato sensu" de agentes políticos.
XII
- O fato do agente estar sendo executado civilmente pelo INSS não significa que
a multa ora imposta possua efeito de confisco, visto que esta corresponde à sanção
cominada ao delito, que tutela a conduta omissiva no recolhimento das contribuições
sociais, e não a garantia do pagamento do débito previdenciário.
XIII
- Condenação mantida.
XIV
- Descabe, no delito em apreço, a majoração da reprimenda pela circunstância
de aumento prevista no artigo 61, II, g, do Código Penal, por constituir-se em
dupla punição pelo mesmo fato, visto que a própria lei exige corno
pressuposto do sujeito ativo a condição de responsável pela retenção e
posterior recolhimento das contribuições previdenciárias (crime próprio),
sendo o dever legal elemento, constitutivo do tipo.
XV
- Excluído, da pena-base, o acréscimo pela consideração da majorante do
artigo 61, II, 9, do CP, mantido o aumento em um quinto (art. 71 do C.P),
reduzindo a reprimenda do apelante para dois anos, quatro meses e vinte e quatro
dias de reclusão e quinze dias-multa.
XVI
- Substituição de ofício da pena privativa de liberdade por duas penas
restritivas de direitos, a saber, duas penas de prestação pecuniária,
prevista no inciso I do artigo 43 do CP, consistente no pagamento de 05 (cinco)
cestas básicas oficiais por mês, pelo mesmo tempo da condenação, a entidade
pública ou privada com destinação social, nos termos do artigo 45, parágrafo
1º do CP, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais, sem prejuízo da
pena de multa ora cominada.
XVII - Apelação a que se
dá parcial provimento.
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, em que, são partes as acima indicadas,
ACORDAM os Desembargadores Federais da Primeira Turma do Tribunal Regional
Federal da Terceira Região, em conformidade com a ata de julgamento, à
unanimidade, dar parcial provimento à apelação e, de ofício, substituir a
pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.
São
Paulo, 26 de setembro de 2000 (data do julgamento).
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