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TRF
3ª REGIÃO - APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1999.03.99.118670-3/SP (DJU 21.11.2000,
SEÇÃO 2, p. 244)
RELATOR
: O
EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL THEOTONIO COSTA
APELANTE
: JORGE ELIAS MARQUES MANSUR
APELADA
: JUSTIÇA
PÚBLICA
ADVOGADO:
JOSÉ
ELIAS CAMILO DE MORAES
EMENTA
PENAL.
RETENÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES
SOCIAIS DESCONTADAS DOS SALÁRIOS DOS EMPREGADOS: ART. 95, "D" DA LEI
Nº8.212/1. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE: ANISTIA: ART. 11 § ÚNICO DA LEI Nº
9.639/98 INCONSTITUCIONALIDADE POR VÍCIO FORMAL RECONHECIDA: EFEITOS ERGA OMNES:
INEFICÁCIA. PRECEDENTES D0 STF E DA TURMA. ART. 11, "CAPUT": APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA ISONOMIA: IMPOSSIBILIDADE: ANISTIA PARCIAL: SITUAÇÕES DISPARES.
PRELIMINAR REJEITADA. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. DOLO ESPECÍFICO:
INEXIGÊNCIA: RESULTAD0 MATERIAL IRRELEVANTE: DELITO OMISSIVO PRÓPRIO.
DIFICULDADES FINANCEIRAS. ESTADO DE NECESSIDADE: NÃO COMPROVAÇÃO. ARGUMENTOS
METAJURÍDICOS: NÃO REPERCUSSÃO NA EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
PRINCIPAL E NA PUNIBILIDADE. EXIGIBILIDADE DE CONDUTA LÍCITA: PARCELAMENTO DA DÍVIDA.
NÃO EFETIVAÇÃO. DÉBITO GARANTIDO POR PENHORA EM AUTOS DE EXECUÇÃO FISCAL:
IRRELEVÂNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA: CONTINUIDADE DELITIVA:
CARACTERIZAÇÃO. APLICAÇÃO INDEVIDA DA CIRCUNSTÂNCIA DE AUMENTO PELA VIOLAÇÃO
A DEVER INERENTE AO CARGO DE DIRETOR: ELEMENTO CONSTITUTIVO DO TIPO: EXCLUSÃO.
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE: SUBSTITUIÇÃO: RESTRITIVA DE DIREITOS. APELAÇÃO
PARCIALMENTE PROVIDA.
I
- Inviável a decretação da extinção da punibilidade, pela aplicação da
anistia veiculada no parágrafo único do artigo 11 da Lei 9.639, na redação
publicada no dia 26 de maio de 1998, por constituir-se em norma legal eivada de
manifesto vício de inconstitucionalidade formal, mácula que impõe óbice
intransponível à sua eficácia no ordenamento jurídico, decorrente da
incompatibilidade vertical da norma com a Constituição Federal, em manifesta
ofensa ao princípio da legalidade, retirando-lhe o fundamento de validade.
Precedentes do STF e da Turma.
II
- Não há como invocar o princípio da isonomia para situações dispares
(artigo 95, "d" da Lei 8212/91 e "caput" do artigo 11 da Lei
9639/98). A situação dos agentes políticos é peculiar e distinta daquela dos
titulares de pessoas jurídicas privadas. A anistia parcial tratou desigualmente
as pessoas desiguais, prestigiando o princípio da igualdade e corrigindo situação
de responsabilização sem culpa "lato sensu" de agentes políticos.
III
- Comprovadas nos autos a autoria e materialidade delitivas do crime de falta de
recolhimento das contribuições sociais descontadas dos salários dos
empregados cometido pelo apelante, na qualidade de dirigente de empresa
individual, responsável pelo cumprimento das obrigações legais desta, dentre
elas o recolhimento das contribuições sociais devidas à Previdência.
IV
- O argumento de atipicidade da conduta pela ausência do dolo específico, ou
seja, do empresário apropriar-se dos valores descontados dos salários dos
empregados, sucumbe diante da análise da própria descrição típica do delito
em apreço, que não veicula elementar relacionada à especial finalidade de
agir do agente, bastando, para sua configuração, o dolo genérico. Trata-se de
crime omissivo próprio, que se consuma corri a conduta negativa, indiferente o
destina que se dê aos valores.
V
- Alegações de dificuldades financeiras da empresa, além de não comprovadas,
não constituem-se em causa de exclusão da culpabilidade, que se
consubstanciaria na inexigibilidade de conduta diversa, tratando-se de argumento
metajurídico, que não repercute na exigibilidade da obrigação tributária
principal que originou o débito fiscal incriminado. Patente nos autos que o
apelante dispunha da alternativa do parcelamento do débito até o recebimento
da denúncia, único meio que permitiria exigir-se-lhes conduta diversa da
incriminada no tipo, e de acordo com o ordenamento jurídico.
VI
- Estado de necessidade não se confunde com estado de precisão, fazendo-se
necessário a demonstração de que a violação a bem jurídico alheio é
praticado como recurso extremo.
VII
- lrrelevante o fato do débito previdenciário encontrar-se garantido, em vista
de penhora efetuada em ação de execução proposta pelo INSS contra a empresa,
em primeiro lugar por não constituir-se em causa de extinção da punibilidade
ou de exclusão de ilicitude. Responsabilidade civil independe da criminal.
VIII
- Condenação mantida.
IX
- Caracterizada a continuidade delitiva. A conduta omissiva protraiu-se no
tempo, constituindo cada uma delas um delito penal distinto, unidos por um vínculo
de dependência que os transforma em realizações de um crime que, por ficção
jurídica, é considerado em desenvolvimento continuado.
X
- Descabe, no deito em apreço, a majoração da reprimenda pela circunstância
de aumento prevista no artigo 61, II, "g" do Código Penal, por
configurar dupla punição pelo mesmo fato, viste que o dever legal do
recolhimento das contribuições previdenciárias constitui-se em elementar do
tipo incriminado.
XI
- Excluído, da pena-base, o acréscimo retro mencionado. Mantida a majoração
em um quinto (art. 71 do CP), reduzindo a reprimenda do apelante para dois anos,
quatro meses e vinte e quatro dias de reclusão e quinze dias-multa.
XII
- De ofício, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas
restritivas de direitos, a saber, duas penas de prestação pecuniária,
prevista no inciso 1 do artigo 43 do CP, consistente no pagamento de 05 (cinco)
cestas básicas oficiais por mês, pelo mesmo tempo da condenação, a entidade
pública ou privada com destinação social, nos termos do artigo 45, parágrafo
10 do CP, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais, sem prejuízo da
pena de multa estabelecida na sentença.
XIII -Apelo parcialmente provido.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas,
ACORDAM os Desembargadores Federais da Primeira Turma do Tribunal Regional
Federal da Terceira Região, em conformidade com a ata de julgamento, rejeitar a
preliminar argüida e, no mérito, dar parcial provimento à apelação,
substituindo, de ofício, a pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos.
São
Paulo, 26 de setembro de 2000 (data do julgamento).
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