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Artigos

Doutrina nacional: O novo Código civil e a responsabilidade do adolescente infrator

As opiniões expressas nos artigos publicados responsabilizam apenas seus autores e não representam, necessariamente, a opinião deste Instituto

Roberto Barbosa Alves

Professor universitário

Doutor em Direito Processual pela Universidade Complutense de Madri

Reformada a legislação civil brasileira pela vigência do novo Código Civil, instituído pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, era esperada a profusão de iniciativas, originadas nos mais diferentes setores da sociedade brasileira, tendentes a interpretar a recente Codificação. Uma das mais eloqüentes alterações introduzidas pela reforma, a redução da plena capacidade civil dos 21 para os 18 anos de idade (artigo 5º), não poderia passar incólume a esse processo. A abolição do limite de 21 anos, e a conseqüente equiparação do marco da responsabilidade civil ao da penal, vem seduzindo alguns intérpretes a encontrar uma interferência do novo Código Civil nas regras do processo por ato infracional previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O sistema civil, então, poderia impedir a aplicação de qualquer medida àquela pessoa que, tendo delinqüido antes dos 18 anos, viesse a completar aquela idade. Isso significa dizer, por exemplo, que ficaria impune aquele sujeito que, na véspera do aniversário de 18 anos, se animasse a eliminar todos os seus desafetos. Não acreditamos em tal interpretação, e menos ainda esperamos que a jurisdição se decante nela. Mas, para que nossa afirmativa tenha alguma consistência, é necessário que esteja fundada no conceito de criança e de adolescente e a natureza do processo destinado à solução dos atos infracionais. O início da vigência do ECA, em 1990, marcou o abandono do Direito de Menores e o início da adoção do chamado Direito da Infância e da Juventude. A opção teve como fundamento o abandono da doutrina da situação irregular, em favor de um sistema de proteção integral. Como conseqüência, a Justiça de menores, tuitiva e paternalista, estava substituída por uma Justiça da Infância e da Juventude, mais adequada ao Direito científico e às normas constitucionais. Em outros termos, era já necessário modificar as bases da reação ao fenômeno da delinqüência infanto-juvenil, o que requeria o abandono da ideologia correcionalista em prol do sentido garantista que, num Estado de Direito, deve informar a imposição de sanções, tenham o nome que tenham. O ECA permite a aplicação de medidas chamadas sócio-educativas a autores de atos descritos como crimes ou contravenções penais quando, ao tempo do fato, tais pessoas não hajam chegado aos 18 anos de idade. Ainda que atingida a maioridade penal, remanesce a possibilidade de aplicação de medida, desde que o fato date da época da menoridade (artigo 104 do ECA). É evidente o caráter jurisdicional imprimido pelo ECA: a apuração do ato infracional se apóia em autêntico processo, produzido diante de órgão jurisdicional; e mesmo as hipóteses de exclusão do processo dependem da homologação judicial. O procedimento, por seu lado, está presidido pelo contraditório, que se materializa nas garantias de pleno conhecimento da imputação do fato delituoso; de igualdade na relação processual, com possibilidade de produzir qualquer prova necessária a sua defesa; de defesa técnica e gratuita; de audiência pessoal com o Juiz; de exigir a presença de seus pais em qualquer fase. Asseguram-se todas as garantias processuais e constitucionais próprias do processo penal (artigo 152 do ECA e artigo 223, § 3º, IV e V, da Constituição). O conceito de ato infracional tem o Direito Penal como referência obrigatória: são atos infracionais todas aquelas condutas descritas como crime ou contravenção penal no Código Penal e na legislação penal (artigo 103 do ECA). Adotada a tipicidade geral do ordenamento jurídico, dispensa-se a redação de um Código Penal juvenil, com tipos penais específicos para os adolescentes. Tudo isso comprova que as medidas sócio-educativas não deixam de ter caráter idêntico ao das penas. O legislador preferiu claramente um Direito da Infância e da Juventude de mentalidade penal, ainda que haja tido em conta as características próprias do adolescente como pessoa em desenvolvimento. Esse reconhecimento de responsabilidade nunca significou maior castigo, senão o respeito à identidade do adolescente, através de um processo conveniente e garantista, capaz de estimular a ressocialização. Estabelecida uma regra particular de responsabilidade para o adolescente, pode-se então contestar qualquer intromissão do novo Código Civil no processo de apuração de ato infracional cometido por adolescente. O ECA, construído sobre a doutrina da proteção integral, exige obediência estrita à condição peculiar de seus destinatários e à garantia de prioridade absoluta (artigos 1º, 4º e 6º). Assim, "como as principais relações jurídicas entre o mundo infanto-juvenil e o mundo adulto encontram-se disciplinadas no microssistema criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a elas são aplicáveis as normas nele previstas. Somente devem incidir as normas do Código Civil, do Código de Processo Civil, etc., quando houver lacuna no Estatuto da Criança e do Adolescente, e mesmo assim se não forem incompatíveis com os seus princípios fundamentais" (GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso, Direito da Criança e do Adolescente e tutela jurisdicional diferenciada, São Paulo, RT, 2002, p. 83). É sob essa orientação, a nosso ver, que se deve ler a reforma civil. O novo Código Civil não pretendeu introduzir nenhuma mudança. A histórica separação entre as hipóteses de responsabilidade penal e civil nunca mudou: enquanto a pena criminal tem uma orientação retributiva e uma face preventiva, a maioridade civil serve a conferir ao indivíduo plena aptidão para o exercício de seus direitos. Foi esse argumento que permitiu que, em 6 de novembro de 2002 a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados aprovasse a transformação em projeto de lei do anteprojeto que atualiza o ECA. Uma das mudanças propostas é aumentar em um ano o prazo da medida de internação: do máximo de três anos, em vigor hoje, o Juiz poderia aplicar a medida por até quatro anos; e a liberação, que aos 21 anos é obrigatória, poderia se estender até os 22. Enfim, no âmbito de aplicação de medidas a adolescentes é necessário compreender que o Estado renuncia à aplicação de medidas aos infratores que completam 21 anos, como se a eles concedesse uma espécie de perdão. A regra está distante da influência da nova legislação, a não ser que se tolere a confusão entre a responsabilidade civil e a legitimidade passiva, aqui compreendida como a aptidão do sujeito para beneficiar-se do sistema de proteção integral do ECA.
ALVES, Roberto Barbosa. O novo Código civil e a responsabilidade do adolescente infrator
Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br, 31.03.2003.


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