INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 224 - Julho /2011





 

Coordenador chefe:

Fernanda Regina Vilares

Coordenadores adjuntos:

Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi e Renato Stanziola Vieira

Conselho Editorial

Editorial

EDITORIAL - STJ e garantias fundamentais: mais uma importante decisão

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu, no último dia 7 de junho, a nulidade da ação controlada, bem como dos monitoramentos telefônico e telemático realizados por agentes da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN no âmbito da denominada “Operação Satiagraha”, que investigou, dentre outros, o banqueiro Daniel Dantas por supostas práticas de corrupção ativa e crimes financeiros. As investigações já haviam dado ensejo a uma ação penal, na qual fora proferida sentença condenatória em primeira instância.

A relevância de tal julgamento merece ser destacada, pois o Tribunal, mais uma vez, afirmou a imprescindibilidade de respeitarem-se as delimitações constitucionais e legais na investigação criminal, não sucumbindo ao canto da sereia que clamava, insistentemente, por punição, ainda que ao custo de violação de direitos fundamentais.

A participação de agentes da ABIN na investigação foi considerada ilegal, pois a agência não tem atribuição prevista em lei para tais atividades. Sua função, nos termos da lei que a criou (Lei n. 9.883, de 7 de dezembro de 1999), consiste em integrar as ações de planejamento e execução das atividades de inteligência do País, com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional. Deve-se notar que não se tratou de mero compartilhamento de informações entre autoridades públicas, o qual vem sendo autorizado por muitos juízes. Houve, no caso, participação ativa e efetiva, nas investigações, dos agentes da ABIN, que teriam atuado, ainda, sem qualquer autorização judicial ou formalização. O relator também considerou ilegal a contratação e atuação direta de um investigador particular, agente aposentado do antigo SNI.

A corajosa decisão aplicou a velha lição sobre o princípio da legalidade: se, de um lado, no âmbito privado, a liberdade é a regra (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”), de outro, os entes da administração pública somente podem atuar nos termos autorizados por lei. Na esfera da investigação policial, é ainda mais determinante a aplicação de tal princípio, já que direitos individuais estão em jogo. Nessa linha, muito embora o inquérito policial tenha natureza inquisitória, não resta afastada a aplicação dos princípios da legalidade, da impessoalidade e do respeito às formas e regras da investigação, dentre outros.

Outro aspecto relevantíssimo da decisão consistiu em deixar claro que agentes externos aos quadros das instituições incumbidas das tarefas de Polícia Judiciária não podem ter acesso a informações protegidas por sigilo. Tendo em vista que os agentes da ABIN teriam atuado no monitoramento e análise de dados colhidos nas interceptações telefônicas e telemáticas, acabaram por acessar elementos extremamente sensíveis da investigação criminal, quais sejam, aqueles que resultam de uma limitação aos direitos fundamentais da intimidade e privacidade. Conforme o Superior Tribunal de Justiça já delineara em outras ocasiões, medidas como a interceptação telefônica, a interceptação telemática e a quebra de sigilo bancário consistem em exceções constitucionalmente previstas ao exercício dos mencionados direitos fundamentais. Nessa linha, apenas podem ser restringidos nos estritos parâmetros traçados pela Constituição e pelas leis correspondentes – o que significa não apenas que somente podem ser decretadas por juiz competente, diante dos requisitos legais, mas também que, durante a execução das medidas, devem ser observados as formalidades e o sigilo que envolvem as informações decorrentes das interceptações.

Como consequência, o STJ reconheceu a nulidade de todos os elementos produzidos com participação de agentes da ABIN e já declarou a contaminação da prova subsequente, seguindo a teoria dos frutos da árvore envenenada. O Ministro Jorge Mussi, quando do julgamento, chegou a afirmar que “se a prova é natimorta, deve-se passar desde logo o atestado de óbito, para que não seja usada contra nenhum cidadão”. A inadmissibilidade da prova ilícita já havia sido sublinhada pelo mesmo Superior Tribunal de Justiça em julgamento proferido por sua Sexta Turma, no qual declarou nulas as provas da apelidada “Operação Castelo de Areia”, em que a quebra de sigilo telefônico fora determinada com base somente em denúncia anônima. Essa consequência, que pode ser considerada radical à primeira vista, é absolutamente essencial para evitar o estímulo à produção de prova ilícita decorrente da possibilidade de se aproveitá-la, de alguma forma, no processo penal.

Infelizmente, muitos lamentaram a decisão, afirmando que ela reforçaria, na população, o sentimento de impunidade. Entretanto, nossos juízes e tribunais existem não para coibir sentimentos de impunidade, mas, sobretudo, para garantir a concretização da justiça, que, definitivamente, não se faz por meio da violação de direitos e garantias constitucionais, seja de quem for. E, se o objetivo é combater a impunidade, deve-se iniciar tal tarefa por meio de uma investigação que siga os ditames constitucionais e legais. Nesse sentido, a decisão do STJ foi exemplar.



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